A disfagia é objetivamente definida como uma dificuldade ou incapacidade na deglutição que resulta de alterações na biomecânica do transporte do bolo alimentar (sólidos ou líquidos) ou da saliva desde a cavidade oral até ao estômago (Azer et al., 2023; SPTF, 2024). Pode ser uma condição aguda ou crónica, transitória ou permanente.
As alterações na biomecânica da deglutição podem ocorrer nas suas fases orofaríngea e/ou esofágica, pelo que a classificamos como disfagia orofaríngea ou disfagia esofágica.
A disfagia é um sintoma comum cuja incidência aumenta com a idade. Estima-se que a disfagia afete aproximadamente 8% da população mundial, cerca de 590 milhões de pessoas (Cichero et al., 2013).
Estimativas gerais de prevalência da disfagia orofaríngea determinadas por estudos de meta-análise apontam para 36,5% no ambiente hospitalar, 42,5% em unidades de reabilitação e 50,2% em lares de idosos (Rivelsrud et al., 2023). Nas unidades de cuidados intensivos a incidência de disfagia pós extubação (DPE) varia entre os 3% e os 62%, de acordo com os estudos de Skoretz et al. (2010). Um outro estudo observacional e retrospetivo mostra uma prevalência de DPE de 84% (Macht et al., 2011).
A incidência de disfagia varia também de acordo com a etiologia. A incidência da disfagia pós Acidente Vascular Cerebral varia entre os 19 e os 81% (Meng et al., 2000; Martino et al., 2005). Os estudos recentes de Banda et al. (2022) mostram uma prevalência de 42%, em 42 estudos com 26 366 participantes.
A revisão sistemática e meta-análise de Gong et al. (2022) estimou que a taxa de prevalência de disfagia na Doença de Parkinson (DP) seja de 36,9%. A Oceânia mostrou maior prevalência de disfagia na DP (56,3%) em comparação com África (39,5%), Ásia (38,6%), Europa (36,1%) e América (28,9%).
Também a elevada incidência de disfagia na demência, cerca de 72.4%, é apontada em diferentes estudos (Rajati et al., 2022).
São inúmeras as causas da disfagia. Doenças neurológicas e neuromusculares, como Acidente Vascular Cerebral, Doença de Parkinson, Demência, Alzheimer, Traumatismo cranioencefálicos, Esclerose múltipla, doenças do neurónio motor, distrofias musculares, miastenia gravis, poliomiosite, miopatias, entre outras, podem estar na origem da disfagia neurogénica.
Também os tumores e cirurgias de cabeça e pescoço, a doença pulmonar obstrutiva crónica, a necessidade de intubação orotraqueal podem dar origem a uma disfagia mecânica.
Obstruções mecânicas causadas por compressão extrínseca (por exemplo, causada por uma aurícula esquerda aumentada), um aneurisma da aorta, uma artéria subclávia aberrante (denominada disfagia lusória) ou um tumor torácico podem causar disfagia.
Os sinais e sintomas de disfagia são:
Os fatores de risco de disfagia estão diretamente relacionados com a sua etiologia, destacando-se a doença cerebrovascular, as doenças do movimento, as doenças neuromusculares, doenças metabólicas e autoimunes, tumores e cirurgias de cabeça e pescoço e patologias do trato gastroesofágico como acalásia ou esofagite. Também a idade é apontada como fator de risco para as alterações da deglutição.
A história clínica e a avaliação clínica da deglutição são essenciais para determinar a etiologia e estabelecer um possível diagnóstico de disfagia.
Também os exames complementares de diagnóstico, descritos como avaliação instrumental da deglutição, como a Videoendoscopia da Deglutição (VED), a Videofluoroscopia da Deglutição (VFC) e mais recentemente a Manometria de Alta Resolução, podem ser fundamentais para estabelecer o diagnóstico e definir estratégias eficazes de intervenção.
O tratamento da disfagia é definido tendo em consideração a patofisiologia da deglutição, a sua etiologia e as características individuais da pessoa.
Os objetivos da intervenção são reduzir a mortalidade e as comorbilidades como a pneumonia de aspiração, a desnutrição e desidratação e o impacto psicossocial.
Uma equipa multidisciplinar é fundamental para o tratamento da disfagia e poderá incluir as valências de terapia da fala, medicina (otorrinolaringologista, pneumologista, gastroenterologista, neurologista, radiologista, fisiatra entre outros), enfermagem e nutrição.
A intervenção implementada poderá ser compensatória ou reabilitadora. Exercícios de fortalecimento das estruturas orofaringolaríngeas, manobras posturais e voluntárias da deglutição, como a flexão de cabeça ou a deglutição em esforço, a electroestimulação neuromuscular e a modificação das texturas dos alimentos sólidos e espessamento dos líquidos, são exemplos de algumas técnicas que podem ser indicados.
A manutenção da segurança e eficácia da deglutição pode implicar a necessidade de vias alternativas de alimentação como a sonda nasogástrica ou a gastrostomia, de forma permanente ou transitória.
Na presença de sinais/sintomas de disfagia poderá procurar um profissional de saúde como um terapeuta da fala e um médico, otorrinolaringologista, neurologista ou fisiatra que irá proceder à recolha do histórico clínico e à avaliação clínica e/ou instrumental da deglutição, determinar o diagnóstico e o prognóstico e delinear um programa de intervenção.
Deverá procurar um profissional de saúde se manifestar algum dos sinais/sintomas de disfagia já mencionados, o mais rapidamente possível, a fim de minimizar as consequências que estão associadas a esta condição.
A disfagia está associada a diversas complicações que incluem a desnutrição, a desidratação e o risco de aspiração e de complicações respiratórias, incluindo a pneumonia.
A disfagia é apontada também como fator preditor de perda de qualidade de vida e de mortalidade. Está associada a um aumento das morbilidades, do tempo de internamento, da necessidade de intubação e reintubação e dos custos clínicos.
A disfagia tem também impacto nas dimensões psicossociais, incluindo depressão, ansiedade, medo, frustração e isolamento social.
A prevenção da disfagia está correlacionada com a prevenção das suas causas, como a prevenção dos fatores de risco de doença cardiovascular ou de doença oncológica, por exemplo. Destacamos acima de tudo a importância da identificação dos sinais e sintomas de forma a prevenir as consequências biopsicossociais.
A odinofagia corresponde a dor a engolir e, na maior parte das vezes, é decorrente de um processo inflamatório que afeta a mucosa faringolaríngea e/ou esofágica. Por sua vez, a disfagia é uma alteração no transporte do bolo alimentar desde a cavidade oral até ao estômago, com prejuízo da eficácia e da segurança da deglutição.
Se sentir dificuldade em engolir deverá procurar um profissional de saúde habilitado e com experiência no diagnóstico e tratamento das alterações da deglutição. Poderá igualmente solicitar o encaminhamento por parte do médico assistente ou médico de família.
A disfagia orofaríngea psicogénica, embora seja rara, é uma dificuldade de deglutir relacionada com fatores psicoemocionais, sem qualquer etiologia orgânica, que, assim como outras formas de disfagia, pode dar origem a alterações nutricionais.
A pessoa com disfagia (PCD) e seus cuidadores devem seguir as recomendações e orientações que lhe são fornecidas pelo profissional de saúde, nomeadamente no que diz respeito à textura dos sólidos e ao espessamento dos líquidos. Atualmente essas recomendações seguem as normas implementadas pela IDDSI (Iniciativa internacional de padronização das dietas para a disfagia).
O contexto da refeição deve ser calmo, sem detratores visuais ou auditivos (conversas). A pessoa deve estar bem posicionada/sentada com uma inclinação nunca inferior a 60º e, se necessitar de ajuda de terceiros, o cuidador deve estar posicionado ao mesmo nível.
Recomenda-se o uso de talheres de metal em detrimento de outros materiais e na dimensão que o profissional de saúde recomende. A cada oferta de alimento deve certificar-se que a mesma foi deglutida na sua totalidade.
As manobras posturais, de limpeza faringolaríngea ou outras implementadas pelo profissional de saúde devem ser seguidas.
Qualquer sintoma/sinal de disfagia (tosse, voz molhada, tempo prolongado do alimento da cavidade oral, sensação de alimento parada na garganta/sufocação, entre outros) deve ser comunicado.
No final de cada refeição é aconselhável a realização de higiene oral.
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